
Novo espaço para se pensar e discutir a dinâmica do mercado e das marcas de luxo, dos produtos e serviços com alto valor agregado e para todos aqueles que se interessam pelos temas do consumo e novas tendências, moda e estilo, design, branding e marketing. O crescimento e a valorização do luxo é uma questão central do consumo contemporâneo e faltam especialistas e espaços para discutir este tema com seriedade.
Art de Vivre
Entre os “happy few” privilegiados que transformaram o luxo numa arte de viver e a grande maioria de excluídos que minguam na miséria absoluta ou ficaram no consumo imaginário, cresce um terceiro segmento, segundo Dubois. Cerca de 40% da população européia, o que Allèrès chama de classe média intermediária ou pederíamos também denominar classes médias altas com formação individual ou com hierarquias e estilos de consumo mais refinados. São os novos consumidores de uma nova categoria de luxo. São eles que desenvolvem o trading up: agregar uma escala de benefícios e diferenças reais, sofisticar e adicionar novas características, redesenhando ou reposicionando produtos e marcas. O marketing do novo luxo está, acima de tudo, repensando o próprio conceito de ciclo de vida dos produtos e redefinindo fronteiras entre as categorias de produto médio e premium (ou superpremium). Além de rejuvenescer e modernizar, ele agrega diferenciais em qualidade, funcionalidade, design e identidade ao mercado das pequenas e grandes indulgências. Assiste-se hoje uma aproximação entre os valores do alto consumo e do consumo em massa.Vivemos um momento em que se diminuem as distâncias entre os signos do básico e da simplicidade – valores standard – e os signos do luxo e da sofisticação –valores do high brow. Esta convergência que já ocorreu na cultura e nas artes agora atinge os padrões de consumo. De um lado o consumidor médio é mais informado, exigente e refinado nas suas escolhas e demandas, por outro lado o consumidor mais refinado valoriza mais a simplicidade das linhas e conceitos, se afasta da atitude showing off e pernóstica associada ao luxo requintado de algumas marcas tradicionais e investe em valores mais emocionais e interacionais. Depois da democratização de certos produtos e serviços – médios e básicos – e a satisfação de necessidades e desejos de consumo, inicia-se uma nova fase ou ciclo de inovações, diferenciações e reposicionamento de produtos. Os conceitos dos produtos básicos se refinaram, exigindo maior qualidade e uma preocupação maior e mais pontual com o design, a imagem e a funcionalidade emocional. Do outro lado, os bens de prestígio desceram do seu patamar de inacessibilidade, reduziram seus valores de ostentação e flertam com conceitos mais simples, ligados ao cotidiano, aos sentimentos autênticos e profundos, com aspectos humanos e até espirituais. Daí a onda do marketing experimental e sensorial, do marketing emocional e sinestésico, se voltando para os sentidos e sentimentos humanos e menos a atributos técnicos e instrumentais. Assistimos à confusão dos signos do luxo e dos signos do básico ou massivo. Mass & class se aproximam. De um lado há um processo de encarecimento e um novo ciclo de aspirações e reativações dos desejos, por parte dos consumidores médios que querem consumir ou trocar seus produtos médios por outros mais sofisticados da mesma categoria, por outro lado o universo do luxo se expande, ganha novos perfis e clientes, mas corre o sério risco de perder sua identidade, sua história e sua aura e se banalizar. De qualquer forma são novas tendências de consumo e comportamento que se vislumbram no horizonte deste novo século.
Há uma série de distúrbios de personalidade ou sintomas compulsivos no campo do consumo. Modos inconscientes de descontrole emocional aparecem sob a forma distorcida do consumismo viciante.
Na arena dos produtos de luxo, isso é muito comum, já que o valor central destes bens residem nos seus benefícios psíquicos e emocionais. A desenfreada paixão e o desejo compulsivo pela aquisição de objetos caros e exclusivos, comprados em série e muitas vezes nunca consumido, reforça a fragilidade psíquica e impulsiona uma espécie de ansiedade patológica. Nestes casos, buscando pistas psicanalíticas para compreender o fenômeno, poderíamos inferir que a atenção amorosa é maior em relação aos objetos e coisas que à pessoas e relações humanas. Esta compulsão demonstra, talvez, uma dependência inconsciente de atenção e uma forte expressão de defesa contra a incapacidade de sentir ou de expressar o que se sente.
Nas ce daí, uma espécie de 'compensação de urgência', sem a qual, a consumidora entraria em em estado de angústia ou uma tensão pronunciada, decorrente de um acúmulo de ansiedade. Em termos almodovarianos, consumidoras compulsivas à beira de um ataque de nervos!
Casos clínicos mostram um número expressivo de mulheres, que depois de terminarem um relacionamento, se divorciarem ou se verem 'sozinhas', the day after, um caso amoroso decidem sair as compras e gastar de forma abusiva e 'impensada', agindo mais por impulsos primários de conservação que por necessidade prática. Neste caso inverte-se a pirâmide de Maslow, e a sensação de segurança e afeto se tornam mais importantes que os impulsos naturais de fome e sede. O consumo parece ser, neste caso, o caminho mais rápido e menos doloroso para se atingir a felicidade ou a intensificação da vida. Qualquer tristeza mínima parece acelerar o mecanismo vicioso do looping "cartão de crédito-shopping center-compras etiquetas e sacolas". Decreta-se que o consumo é uma espécie de terapia eficaz que alivia tensões, aumenta o coeficiente da auto-estima e injeta bom humor e serotonina na corrente sanguínea. Consumo como sinônimo de felicidade e bem estar.
Esta lógica moderna é facilmente encontrável. No mercado das indulgências e das experiências de consumo de luxo e acesso, não só mulheres, mas homens também, embarcam alucinadamente na fantasmagórica montanha russa das compras. Vou ao shopping, vou ao paraíso e retorno ao útero pacificado. Como se produtos e marcas carregassem resíduos simbólicos de um mundo de afeto e completude perdido, como se preenchessem uma falta ou falha aberta e nos tornassem mais poderosos e amados.
As compulsões nascem nestas brechas de carência, destas ansiedades não dominadas e são sistemas de defesa desenvolvidos pelos indivíduos para anestesiarem-se da realidade. Segundo Freud, as pessoas podem exibir fixações ou obsessões dos mais diversos tipos. O consumismo é apenas um dos vícios de uma lista farta e variada. Ele funciona como válvula de escape e permite que exibamos ou realizemos um sentimento que, em verdade, precisamos frear ou inibir: uma formação substituta, diria a psicanálise. Estabelemos uma "relação básica" de confiança e afeto, diria Winnicott, com os objetos. Uma relação amorosa de dependência inconsciente ou um jogo de tranferência libidinal. O comsumo compulsivo é um consumo emocional, mas de uma emoção 'perversa', marcada pelo descontrole e ansiedade.
O mercado sabe disso, e explora em forma de satisfações momentâneas, a carência existencial do próprio homem. Cria uma ciranda de motivações e estímulos contínuos e reativa, excita e enche de ansiedade, atodo instante, o nosso estranho princípio do desejo.
Será que o projeto do eu narcísico, do consumidor inveterado e compulsivo é um projeto baseado na aquisição crescente de bens e pela perseguição cega do status? Que carga afetiva, emocional e psíquica carregam os bens exclusivos e de exceção?