Novo espaço para se pensar e discutir a dinâmica do mercado e das marcas de luxo, dos produtos e serviços com alto valor agregado e para todos aqueles que se interessam pelos temas do consumo e novas tendências, moda e estilo, design, branding e marketing. O crescimento e a valorização do luxo é uma questão central do consumo contemporâneo e faltam especialistas e espaços para discutir este tema com seriedade.

Friday, August 11, 2006


A História do Varejo de Luxo

A revolução do comércio e do varejo em partes ocorreu antes da revolução industrial do século xix na Europa. E talvez tenha cooperado para criar um maior desejo e demanda dos setores médios da sociedade que não podiam consumir os artigos artesanais, caros, escassos e inacessíveis a grande maioria. É muito comum imaginar o comércio do início do séc. xviii como a imagem típica de uma pequena loja onde ao entrar se encontrava o velho alfaiate, alguns poucos assistentes ou costureiras, muitas vezes membros da própria família trabalhando no fundo do estabelecimento. A loja era o próprio ateliê ou oficina. Atendiam-se os clientes que encomendavam sob medida suas roupas e acessórios de couro, seus móveis ou utilidades do lar. A grande massa da população tinha muito poucos bens e roupas, e o comércio popular se realizava nas grandes feiras abertas, onde se encontravam produtos baratos, de baixa qualidade e de duvidosa procedência.
Foi o incipiente varejo do luxo, com suas lojas especializadas, as oficinas artesanais e os ateliês de criadores e artistas que produziam para uma clientela cativa e pequena, o comércio de mercadores que importavam e traziam os desejados bens de outros países, ou mesmo do oriente e do novo continente que satisfaziam as necessidades e desejos das famílias nobres e ricos burgueses que prosperavam. Novas lojas para novos produtos para novos consumidores com novas necessidades e aspirações. Aristocratas precisavam manter as aparências, eram forçados pelas forças políticas e sociais da época a gastar, consumir e imitar a realeza e os hábitos da corte. Bens e artigos caros e vistosos, da maior qualidade, de excelente procedência e feitos pelos melhores criadores com as melhores matérias primas. O comércio e o consumo do luxo prosperavam nas cidades, em particular em Paris, onde no séc. xviii grande parte da nobreza passava férias ou construía suas ricas residências urbanas próximas do Palácio de Versalhes, de seus eventos e festas. Diversos outros fatores cooperaram para o desenvolvimento do varejo do luxo e do semi-luxo no período anterior à Revolução Francesa.
O mundo da época já havia se tornado um mundo de novas sedutoras mercadorias trazidas de fora pelos mercadores: café, chá e chocolate, cashmere, porcelana e tabaco, novos alimentos e frutas e especiarias, novos objetos de decoração, lustres e tapeçaria. Nas pequenas lojas vendiam-se xícaras e pratos, cortinas e espelhos, roupas finas e até brinquedos. Era um comércio inacessível e pouco democrático. Apenas a Rev. Industrial iria iniciar a democratização do consumo e destes ‘bens de luxo’ em meados do século seguinte. Mas uma demanda reprimida por estes novos produtos crescia, pois eles representavam conforto e status, diferenciação e originalidade.
Estas novas necessidades por novos produtos e bens materiais, nos grandes centros e capitais, se multiplicavam rapidamente. Com o aumento da população de ricos e trabalhadores nas cidades e com o crescimento das rendas privadas, dos rendimentos ‘salariais’, do lucro comercial e a pequena, mas já sentida, mobilidade social, um grande segmento de médios e pequenos burgueses já excursionavam por estas lojas e ateliês e faziam ocasionalmente algumas compras. As classes mais ricas compravam terras e construíam suas grandes casas na cidade em bairros que logo se tornavam supervalorizados e sofisticados. Era preciso mobiliar a casa: beleza, conforto, excelência e funcionalidade e vestir a família para as festas, eventos, para a missa ou para o teatro, para os passeios de domingo nas praças e ruas. A indústria têxtil já era forte no fim do século xviii e o fenômeno da moda, a preocupação com o gosto, a elegância e o estilo pessoal começava a dominar a cultura da época.
Muitos produtos se tornavam menos proibitivos e menos caros neste período, porque os meios de transporte se desenvolviam: ‘navios’ e trens carregavam maiores cargas, novas vias de acesso e estradas se criavam e o que levava longos meses, agora chegava às capitais na metade do tempo. Muitos artesãos enriqueciam e se tornavam donos de proto-indústrias e já divulgavam e comercializavam diversos novos produtos. Caso de Wedgwood, artesão
inglês que no séc xviii já produzia em seus ateliês vasos, xícaras, pratos e louças finas de porcelana, imitando as peças luxuosas da aristocracia vindas da China e Oriente ou os vasos Etruscos que enfeitavam os palácios reais. Com cópias mais simples e econômicas, com um bom material de promoção: catálogos de suas criações, com o bom relacionamento que mantinha com as classes ricas e afluentes e produções limitadas e customizadas com design e bom gosto ao gosto do cliente, Wedgwood fez fortuna e fez escola.
Depois veio o séc xix e a história é outra. Ali sim, com a revolução das indústrias, muita energia e mão de obra barata, novos maquinários e insumos, com o crescimento das ruas e centros comerciais e das grandes e atraentes lojas de departamento e com uma grande demanda reprimida de novos profissionais médios que começavam sua jornada por melhores padrões de vida, conforto e bem estar nas capitais, que uma sociedade e uma cultura de consumo pode florescer com mais vigor. Foram uma nova população de ‘vanguarda’, mais elegante e em busca de novidades e diferenciação como os novos jovens estudantes universitários de ricas famílias do campo, retratados em O Vermelho e o Negro de Stendhal ou mulheres vaidosas consumistas como Ema Bovary de Flaubert, tradicionais e elegantes nobres e aristocratas, misturados aos intelectuais e artistas com seu consumo mais sofisticado e estético, com a cultura dos dandies e a preocupação crescente com a aparência dos novos burgueses.
Mas foi a produção artesanal de criadores e ‘designers’ para as elites abastadas, foram suas criações de qualidade e originalidade, foram as lojas de luxo que abriam em algumas grandes capitais européias que criaram os novos modelos de produção e de organização comercial, que criou um ambiente de consumo discricionário e simbólico e uma nova e poderosa cultura de consumo.

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