Novo espaço para se pensar e discutir a dinâmica do mercado e das marcas de luxo, dos produtos e serviços com alto valor agregado e para todos aqueles que se interessam pelos temas do consumo e novas tendências, moda e estilo, design, branding e marketing. O crescimento e a valorização do luxo é uma questão central do consumo contemporâneo e faltam especialistas e espaços para discutir este tema com seriedade.

Friday, March 28, 2008




Expressões do Luxo no Século XVIII

O luxo expressava naquele momento, a criação da beleza e a criação artística pessoal. A dimensão da eternidade do luxo é laicizada, e a posse de tais objetos é uma salvaguarda da imagem cultivada e duradoura de si e do nome pessoal e familiar na memória da história. Aspira-se subjetivamente ao refinamento da vida, a uma estilização da existência. Cria-se um elo maior entre os homens e certos objetos raros, belos e precisos. Para Ariès, as coisas passaram a ser representadas e amadas por elas mesmas, como entes queridos e não como objetos estatutários ou símbolos discricionários de poder. Iniciava-se um período de apego amoroso excessivo as coisas em si. Como afirma Lipovetsky uma vez mais, usando uma expressão de Bataille, percebia-se uma evolução da dimensão erótica do luxo. Reforçada a alteração pelo belo, pelo aspecto sublime dos objetos únicos, frutos da criação de artistas, feitos a partir de matéria mais precisa e rara, reforça-se o deliciamento sensual das coisas como expressão literal de erotismo, fetichismo e desejo de gozar do mundo. A vaidade é mais que um signo valor honorífico. A vaidade e a luxúria sem sentimento de culpa, como expressão do desejo irracional e emocional do homem começava a se desenvolver dentro de uma sociedade onde a igreja e seus dogmas perdiam sua força. Com isso desenvolvia-se um esvaziamento dos valores religiosos e sagrados e uma sacralização da dimensão profana do luxo, da sua dimensão sensualística, do apego do homem às coisas e ao mundo, a estetização das formas de vida expressa na estilização dos objetos e formas.
Gradativamente foi ocorrendo no ocidente uma mudança no padrão de consumo que levava ao aumento dos gastos pessoais, com banquetes e roupas, ao consumo conspícuo na decoração, na hospitalidade e no vestuário pessoal e menos com a família. A história do consumo também narra a história do desenvolvimento do individualismo moderno e de uma nova relação do homem com o tempo e a moda. Os bens começaram a se tornar valiosos por seu caráter de novidade. O novo, o diferente e o original passavam a ter peso característico no consumo moderno. Isto se observa na mudança do padrão de consumo da nobreza britânica: da pátina para o padrão fashion, de celebração do culto da novidade e da renovação contínua. Se antes o valor estava no envelhecimento, na honra de herdar e ser guardião de bens antigos ou na pátina, como sinal e garantia de pertença a uma classe tradicional, no culto aos móveis e retratos de família e da representação de riqueza ancestral, rapidamente estes valores e sentimentos se perdem e os burgueses se rendem a preocupação com a posse e consumo de tudo que era signo do novo e original. Este constante processo de variações e renovações que começam a atingir a produção de bens para as classes mais abastadas que, viam no culto do diferente e do novo, objetos de diferenciação e exclusividade, e também objeto de experimentação do presente e da afirmação da novidade como original e único, individual e diferenciado. Os valores da moda eram intrínsecos aos valores de expressão da individualidade burguesa para grupos ainda restritos que detinham a exclusividade da criação e uso.
Como afirma Lipovetsky:
“A alta sociedade foi tomada pela febre das novidades (...). Com a moda aparece uma primeira manifestação de uma relação social que encarna um tempo legítimo e uma nova paixão própria do ocidente, a do ‘moderno’. A novidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir ‘o que se faz’ de novo e adotar as últimas mudanças do momento: o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites” Momentos episódicos e particulares exemplificam certos ‘refinamentos frívolos’ dos homens em certas sociedades. A moda manifesta o individualismo do gosto, com possibilidades de inovar e se diferenciar. Seus usuários são os iniciadores de tendências e estilos depois cultivados e adotados por muitos. Para além da distinção de classes estava a preocupação com a expressão individual e a auto-imagem, o direito a personalização, a liberdade criativa e o êxtase frívolo de ser a vanguarda ou de ser simplesmente a extensão de todas as coisas, como afirma o autor de O Império do Efêmero. Os princípios burgueses imitam o consumo de aparências da aristocracia, mas de forma seletiva: uma moda e um consumo mais moderado, útil, calculado e prudente. O luxo cede lugar aos valores emergentes do conforto e da privacidade, da moderação e da funcionalidade e a obrigação racional de representação foi perdendo força. O conforto e privacidade se consolidam como valores maiores de estilos de vida que se traduzirão, posteriormente, em estilos de consumo. Há uma forte associação do consumo nos séculos XIX e XX ao lazer, ao espetáculo, ao prazer e ao universo lúdico, com o desenvolvimento de técnicas mais eficazes de educação e sedução do consumidor.
Alguns autores trabalham com a idéia de quer o valor e a definição de luxo se alterou no século XVIII, principalmente devido aos debates sobre os vícios e virtudes morais sobre o uso e abuso do que é necessário ou supérfluo. A demanda por luxo era resultado do dramático crescimento da população e consumo de bens. O luxo era definido como índice de opulência e poder nacional, seu produto e consumo levaram ao crescimento comercial e um senso de polidez, etiqueta e gosto estético mais apurado. A maior valorização de luxo e consumo era visto como significado cultural de bom gosto, conforto, refinamento artístico. Embora houvesse ainda uma forte desaprovação moral do luxo por parte da igreja, que criticava o comportamento da elite como excessivo degenerado e negativo. Mas o que marca a Inglaterra pré-revolução industrial segundo McKendrick é um aumento de demanda e comercialização de bens e um particular interesse pelos bens artísticos e pelo gosto clássico. Artesãos ingleses como Boutlon e Wedgwood prosperaram rapidamente criando objetos de semiluxo para a burguesia urbana, do fim do século XVIII e início do XIX, objetos decorativos e louças com design e motivos diferenciados que imitavam as porcelanas e as louças importadas do oriente para alguns poucos afortunados, conforme atesta Adrian Forty em sua obra Objects of Desire. Com o progresso da mecanização e a importância voltada ao projeto e ao design de produtos com maior diferenciação, cresce o interesse da burguesia emergente pelos objetos de semiluxo e as imitações dos bens mais raros e inacessíveis. A primeira forma de democratização do luxo diz Lipovetsky, coincide com a difusão social das imitações e do ersatz do neo-clássico e dos artigos ornamentais – o esteticismo e a forte impressão art nouveau nos objetos e produtos burgueses, o que mais tarde acontecerá como o estilo Kitsch.

Friday, March 21, 2008


O Mix de Marketing para o Mercado do Novo Luxo

Hoje os gestores do mercado do luxo se perguntam constantemente como deve ser o mix de marketing para os segmentos do luxo intermediário e acessível, de um luxo mais propagado e de reconhecimento facilitado?
Cada estrategista parece ter uma resposta pessoal, mas quase todos concordam e há um consenso sobre um dos objetivos centrais sobre o que seja uma estratégia de marketing eficiente para o setor do novo luxo: a busca do equilíbrio entre difusão e acesso democratizado, a extensão do nome e da marca e o respeito a sua identidade e história, a busca de novos consumidores ocasionais, mas sem perder o padrão de seletividade e a confiança e lealdade de sua clientela. São estes pontos que garantem a desiderabilidade, o culto e reforço de valor da marca – o brand equity do luxo.
Um outro grande desafio para a indústria do luxo é crescer e aumentar sua rentabilidade e lucros, sem com isso perder o glamour e as características artesanais e refinados de seus produtos. Foi-se o tempo de uma lógica centrada na oferta, criação e criador. Hoje ingressamos numa lógica mais complexa que envolve a demanda, a concorrência, as necessidades do mercado e a cultura local.
A indústria do luxo está consolidada, mas enfrenta o grande desafio de satisfazer uma nova leva de consumidores mais críticos e exigentes, ainda pouco ambientados as tradições e manuais de normas do luxo original, com preferências e estilos de consumo mais instáveis e voláteis, indivíduos auto-centrados e em busca de gratificação psíquica e auto-estima, ainda pouco fiéis as marcas.
A gestão do novo luxo precisa conciliar a ética da antiga maison familiar com a administração profissional e rigorosa das grandes marcas para se sustentar a nível mundial. Além disso, o ambiente é mais competitivo e as diversas empresas passam a concorrer com ofertas de produtos do luxo intermediário nos segmentos onde as novas classes consumidoras do masstige concentram suas escolhas.
Ao democratizarem-se ou industrializarem-se as empresas do setor do luxo precisam a todo custo zelar e manter intacto a imagem e prestigio das antigas maisons e o nome de seus criadores. Ao democratizarem-se e buscarem a satisfação de uma nova clientela, toda a visão administrativa da empresa e toda sua política de gestão de marca precisa ser fortemente repensada. O novo luxo precisa se reinventar, reinterpretar e projetar de forma criativa, mas coerente, a identidade de seu nome junto a esta nova clientela, cuja sensibilidade, afinidade e identificação efetiva e eletiva com o conceito de luxo é bem diversa do da clientela tradicional.
As estratégias de marketing precisam ser pensadas no setor do novo luxo tendo como premissa inicial que o comportamento e a sensibilidade do novo consumidor de luxo são outras, suas necessidades e aspirações também e, que o marketing eficiente é aquele que observa, escuta, dialoga e apresenta soluções e satisfações ao cliente. Com este novo domínio da demanda sobre a oferta, caso inédito na longa história luxo, torna-se urgente o alinhamento das necessidades do novo consumidor com as capacidades da indústria e com a garantia de respeito à herança e ao nome de culto dos criadores.

Wednesday, March 19, 2008


Consumo, Luxo e Design

O consumo faz a ponte entre as instituições econômicas e as esferas culturais, e é uma força central nas mudanças de larga escala na vida social e na vida psíquica dos indivíduos. Sabemos que o consumo de produtos e serviços é um vetor de fundamental importância nos projetos de criação, formação e expressão do estilo e da identidade pessoal.

O homem é por si só um animal simbólico. Antes eram os objetos e os seres vivos da natureza que eram carregados de sentidos e significado mítico. Dotavam o mundo de sentido e ajudavam o indivíduo a estruturar sua vida pessoal e a se conhecer. Hoje no mundo capitalista das mercadorias, os homens transferiram sentido, razão e beleza para o mundo de suas criações artísticas ou técnicas. A função e a beleza saem do domínio de Deus e penetram nos objetos cotidianos e nas criações do homem. Eles são apropriados individualmente para dotar de sentido a vida pessoal. São objetos funcionais e emocionais. Elos existenciais do indivíduo com os outros homens. Eles criam identificação, diferenciação e identidade.

Hoje, boa parte das coisas que utilizamos, vestimos e até comemos são “designed”. O design faz parte do cotidiano de todos nós e está presente nas coisas mais triviais do dia a dia. Como afirmam os próprios designers: são objetos que entram em nossa existência para resolver problemas e apresentar soluções, para transmitir idéias ou para fazer as coisas parecerem mais bonitas e atraentes. Quando uma pessoa diz “Eu gosto do design de tal objeto”, ela não está dizendo apenas que gosta ou concorda com as formas, cores, materiais, textura e estilo; funções ou praticidade do que vêem, mas estão expressando um juízo estético: estão demonstrando o impacto e os estímulos sensoriais, emocionais e estéticos que este “design” exerce em termos psicológicos sobre ela. Quando eu digo que gosto do design de algo, expresso que me identifico ou desejo “ser” ou “ter” as expressões de estilos e as características visuais ou signícas daquela coisa para mim. O design é um carregador de sentido e estilo, e também, convencionalmente, de bom gosto e estilo artístico. Usa-se o design para expressar o gosto pessoal, dizer quem se é, e para criar uma ‘self-image’ diferenciada, ‘original’ e particular.

Os designers e os intermediários simbólicos e culturais, em geral, sabem que eles são responsáveis pela significação do real e pela produção de significados simbólicos no mundo de hoje. Mais do que criar, propagar ou promover a grande ‘orgia’ de imagens e signos, eles conseguem multiplicar infinitamente seus significantes. Uma mesma coisa pode ser e significar qualquer outra. Sabem que a relação entre as coisas e seus significados é arbitrária. Ao recriar uma mesma coisa fazendo mudanças estruturais mínimas, refuncionalizando, substituindo materiais, cores e formas, permitem novas escolhas e gostos individualizados. Cria estilo, mas acima de tudo individualidade.

Estes produtos que concebemos, produzimos e colocamos em circulação são mais imagens que coisas. E a dinâmica desta circulação cria diversos modos de imaginar, criar, se comportar, sentir e ser. Somos em parte muito do que vemos, ambicionamos e consumimos. Somos reflexos de lugares e das coisas com os quais nos relacionamos.

Hoje, sabemos que quase tudo tem design e um número incalculável de novas coisas e as próprias atividades humanas são estetizadas, estilizadas e re-funcionalizadas. A casa, o corpo e até a própria alma se tornaram objetos de “design”. O design é aplicado no desenvolvimento de bens, serviços, processos, mensagens, ambientes, mas também no corpo e na psicologia individual.

Há uma forte ligação das instituições econômicas sobre a esfera cultural da vida, como já foi afirmado. Importante aprendermos os porquês da importância e da crescente valorização e consumo de bens estéticos e “design”. Importante ressaltar também, que um número crescente de indivíduos das sociedades citadinas do século XVIII, já se demonstravam bastante sensíveis a satisfação estética e artística dos seus bens pessoais. Havia um forte desejo de consumir formas materiais visíveis de arte. Era uma época em que se fortalecia o consumo discricionário de bens e o valor da circulação, produção e consumo de novos artigos sofisticados, as novas atividades de lazer e cultura e a preocupação com o ‘bom gosto’ entre as classes afluentes nas ‘capitais’. Preocupava-se mais com a qualidade estética e representacional de muitos objetos, até então, prosaicos ou pouco valorizados: das pinturas às gravuras, das peças e objetos decorativos às roupas e acessórios. Esta fome material de novas aquisições e o crescente poder destes objetos sobre os corações e mentes destes ‘novos’ consumidores e proprietários, é um emblema desta cultura material Vitoriana na Inglaterra e durante e após o reinado de Luís XIV na França. Na literatura, bons exemplos não faltam: de Mme Bovary a Balzac e Charles Dickens.

O fato é que a sociedade moderna se inclina e se torna mais sensível à tecnologia, aos bens artísticos, ao que se é exclusivo e escasso, a moda e as ‘nouveautés’, as criações dos artistas e artesãos da moda. O design já começa a pavimentar, assim, sua jornada de sedução e sucesso.